Terceiro maior emissor de gases poluentes do Brasil, setor tem recebido incentivos para a descarbonização, mas as soluções são complexas e caras
O transporte Rodoviário é a espinha dorsal da mobilidade no Brasil. O 1,7 milhão de quilômetros de estradas brasileiras — a quarta maior malha do mundo — transporta 65% das cargas e 95% dos passageiros do país. A dependência do modal, ainda fortemente movido a combustíveis fósseis, deixa marcas ambientais: trata-se da terceira maior fonte de poluição do Brasil, atrás apenas do desmatamento e da pecuária. O problema se agravou nas últimas décadas, com as emissões dos veículos brasileiros atingindo o recorde histórico de 200 milhões de toneladas de CO2 em 2022, último ano com dados divulgados pelo Observatório do Clima. Desde o início da série, em 1990, as emissões do setor cresceram 170%, superando em muito o aumento de 14% das emissões gerais do país. Na tentativa de reverter esse quadro, a iniciativa privada e a administração pública se movimentam para descarbonizar a frota. Em junho, a aprovação do Programa Mover, que oferece incentivos fiscais para montadoras que investem em programas de despoluição, representou um marco desse movimento, que deverá abarcar um conjunto de tecnologias e modais para ser bem-sucedida.
Ponto-chave desse processo, os veículos elétricos têm registrado um crescimento meteórico de vendas no país. No acumulado de 2024 até setembro, o Brasil emplacou um total de 122.548 carros totalmente elétricos ou híbridos, um crescimento de 113% em relação ao mesmo período de 2023 e superior a 500% em cinco anos. A tendência é de ainda mais demanda: espera-se que a categoria represente até 54% das vendas de veículos em 2030 e 91% em 2040, segundo um estudo da associação de montadoras Anfavea.
De olho nesse potencial, companhias do setor têm voltado suas atenções para o Brasil. A montadora chinesa BYD foi responsável por 42% das vendas de elétricos no mercado brasileiro e aposta na expansão dos negócios. Com 137 concessionárias em operação, a empresa pretende abrir outras 124 lojas no futuro próximo, além de inaugurar uma fábrica para a produção nacional de veículos em Camaçari, na Bahia. “Para alguns modelos, vamos substituir a importação por um regime de produção completa no primeiro semestre de 2025”, disse Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil, durante o VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, realizado por VEJA e VEJA NEGÓCIOS.
Embora tenha ganhado tração no Brasil apenas nos últimos dois anos, a companhia desembarcou no país pela primeira vez em 2015, com foco no mercado de ônibus elétricos. Na época, o negócio não prosperou devido à baixa demanda e a modelos de ônibus pouco adaptados às ruas brasileiras. Agora, porém, o cenário mudou. “O interesse das cidades tem crescido muito, estamos esperando uma consolidação dessa demanda para o mercado deslanchar”, diz Bruno Paiva, diretor de vendas de caminhões e ônibus da BYD.
Para cumprir metas de descarbonização municipais, cidades como São Paulo, Curitiba e Salvador têm renovado parte de sua frota com ônibus elétricos — que, além de ter emissões zero, são silenciosos e possuem um ciclo de vida mais duradouro em comparação com os veículos movidos a diesel. A maior barreira para essa expansão é o preço: um ônibus elétrico custa cerca de 3 milhões de reais, diante de um preço de 700 000 reais da versão movida a diesel, o que exige grande investimento inicial das operadoras ou subsídios públicos. Outro desafio é a infraestrutura de carregamento nas garagens, uma vez que a alta demanda por eletricidade exige arranjos que influenciam o modelo de contratação das concessionárias de energia elétrica.
Devido a fatores como esses, a eletrificação das frotas não é considerada a única alternativa aos veículos movidos a combustíveis fósseis. “Não podemos nos limitar a uma única rota de descarbonização”, afirma Guilherme Vinhas, advogado e autor do livro Fundamentos da Transição Energética. “É preciso investir em outras tecnologias já disponíveis, mais eficientes que a combustão”. Ele cita os biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, que ganharam tração extra com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro em outubro.
Entre outras definições da lei, o limite máximo de etanol na gasolina subirá de 27,5% para 35%, enquanto a proporção de biodiesel no diesel irá de 14% para 20%. Apesar de não serem isentos de emissões, os biocombustíveis são feitos de biomassa que absorve gás carbônico durante o crescimento, compensando parte do CO2 emitido. A ideia é aproveitar a abundância de resíduos orgânicos e a expertise do Brasil na produção desses combustíveis, algo que o país começou a estruturar durante a crise do petróleo, na década de 1970. “Nós pensamos os biocombustíveis no passado para fazer frente ao alto preço do petróleo”, disse Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, durante o fórum. “Para a nossa sorte, hoje eles cumprem não só o papel de equilíbrio dos preços, como também o da descarbonização”.
Sobretudo para os veículos pesados, como caminhões, a aposta também é na expansão de outros tipos de biocombustíveis, como o biometano, que vem do tratamento de biogás, e o diesel verde, que é produzido a partir de óleos e gorduras. “O transporte rodoviário de carga no Brasil é muito importante, e eletrificar frotas pesadas não é fácil”, diz Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas. Por aproveitar a infraestrutura de combustíveis já existente, ao contrário dos elétricos, os biocombustíveis permitem uma transição mais rápida e barata para caminhões de carga, sem grandes adaptações na frota. No entanto, essas tecnologias ainda engatinham no país: atualmente, são apenas seis usinas de biometano com autorização de operação, e outras 25 com pedidos sendo avaliados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). No caso do diesel verde, a primeira biorrefinaria no Brasil está prevista para operar em 2025, em Manaus.
Outra solução avaliada para reduzir as emissões no transporte de carga é a diversificação dos modais, uma vez que o rodoviário, por transportar menos volume em comparação com outras modalidades, como o ferroviário, tende a ser mais poluente. “A ferrovia já nasce verde; um trem retira até cinquenta caminhões da rodovia para levar a mesma quantidade de produto”, diz Raíssa Amorim, consultora de sustentabilidade da MoveInfra, associação de empresas de infraestrutura.
Atualmente com extensão de 31 000 quilômetros e só um terço disso em uso, a malha ferroviária brasileira regrediu em relação aos 37 000 quilômetros dos anos 1950. Na tentativa de recuperar o modal, o governo anunciou a injeção de 94 bilhões de reais nas linhas férreas brasileiras até 2026, por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento, mirando a construção de ferrovias como a de integração Oeste-Leste e outra no Centro-Oeste. “Rodovias e ferrovias não competem, mas trabalham juntas, já que modais conectados são o principal elemento para a transição”, diz Amorim. Trata-se de uma estrada sinuosa, com inúmeros desafios pela frente — mas essencial para um futuro mais verde.
Fonte: NTC&LOGÍSTICA.